GALERIA

Você mudou minha vida

Voltando da escola, parei no salão pra fazer a unha. eu tava desesperada pra ir pra casa almoçar e dormir. sai do salão e quando fui atravessar vi um morador de rua sentado na esquina. vou mudar de faixa. não pera, não vou não, tá de dia e aqui tem muita gente, ele não vai mexer comigo. passei pela frente dele tentando evitar contato visual e escuto um “moça”. vish, devia ter atravessado, mas como impulso olho pra ele, esperando que diga alguma coisa. “desculpa te incomodar, mas você teria alguma peça de roupa pra me dar? roupa velha, qualquer coisa, eu to com essa camiseta há 20 dias” ele parou um pouco de falar. “tá fedendo”. olho pra sua camisa e vejo que o que deveria ser branco virou um marrom escuro. não sei o que dizer, não sei o que fazer. “óbvio. vc me espera aqui?” sai da minha boca. falar com o coração nunca foi voluntário. ele fez cara de assustado parecendo não entender a sinceridade na minha voz. “sim, sim espero! vc vai mesmo buscar?”. “sim, minha casa é aqui na rua, espera só um pouco que eu já volto. sério, não sai daqui”. fui andando o mais rápido possível pra minha casa, e não era mais por fome ou vontade de dormir. fiquei me perguntando se tinha alguma coisa no meu armário que eu não fosse sentir falta. cheguei em casa, pedi que fizessem uma marmita pra ele e sai correndo pro meu quarto pra pegar as coisas. abri meu guarda roupa. meu deus do céu, tanta coisa que eu nem consigo ver o que eu posso ou não dar. 3 peças por cabide, gavetas transbordando roupa, e o moço sem NADA. peguei tudo que vi que achei que ele fosse usar. não olhei a marca, não pensei se uso ou quanto custou, eu simplesmente coloquei o maior número possível de coisas em uma sacola. vi no cabide o meu moletom cinza. ele fica meio grande em mim, mas é lindo, com jaqueta fica bonitinho mas... penso que sempre acho uma desculpa pra não usar ele por causa do tamanho. imbecil. jogo ele na sacola. tchau moletom. olho para a minha unha e vejo que borrei brutalmente o meu esmalte porque não tinha dado tempo de secar. chego até a dar risada do quanto não estou nem aí. peguei a marmita e uma barra de chocolate, vai que ele é uma pessoa que gosta mais de doce, que nem eu. com a sacola cheia de roupa, sai às pressas de casa torcendo pra que ele ainda estivesse lá. cheguei na esquina e SIM ele tava lá, ufa. ao me ver chegando com uma sacola de roupas tampando a minha cabeça, ele deu um pulo. levantou e começou a dar risada, com as mãos na cabeça como se estivesse vendo uma criatura mística sendo carregada por mim. “meu deus, quanta coisa!! muito obrigado, meu deus obrigado!”. respondi: “olha, aqui tem muita comida e aqui tem um chocolate. não sei se minhas coisas vão servir mas eu peguei tudo que eu pensei que fosse caber.” ele ainda estava completamente em choque, sem saber se puxava a sacola da minha mão pra ver se estava tão cheia quanto parecia ou se pulava de alegria. “nossa moça, muito obrigado de verdade, isso aqui já tá ótimo, meu deus. eu nunca tive tanta roupa na minha vida, e eu nem lembro mais do gosto de chocolate”. meu. deus. “qual seu nome?” perguntei. abrindo um sorriso carinhoso: “Mauricio”. o nome dele é Mauricio. Mauricio é filho de alguém. Mauricio não pode comprar um chocolate. Mauricio já deve ter feito outras pessoas sorrirem. Mauricio teve que falar para uma pessoa desconhecida que ele estava fedendo. “então Mauricio, meu nome é Ana, amanhã eu te encontro aqui 13:30 e eu vou te dar um tênis novo ok?”. me desculpa, não tinha um jeito melhor de gastar minha mesada. ele pareceu ficar sem palavras: “isso aqui tá ótimo já, muito obrigado, desculpa ter te incomodado”. só consigo agradecer mentalmente por ele ter me parado. mas eu não quero mais ver os pés dele nesse chinelo sem sola. “não, eu te encontro aqui amanhã 13:30. eu quero te dar um tênis de presente.” ele sorriu, agradeceu, abraçou a sacola e disse que com certeza estaria lá. dei um sorriso e sai andando para casa. não sei se meu peito está mais cheio de gratidão por ter feito ele feliz, nem que seja por um segundo, ou se com vergonha de mim mesma e dessa falta de humanidade que me ensinou a trocar de faixa, pela minha própria segurança. ainda bem que sou teimosa. no fundo era a segurança dele que estava em jogo, não a minha. eu só tava voltando pra casa, e ele nem tinha uma casa pra voltar. acho que nunca mais vou ser a mesma depois de você. obrigada mauricio, você mudou minha vida. espero ter melhorado a sua.